segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Segunda conseqüência da anatomia.

* Referência: Primeira conseqüência da anatomia - Parte II.

Os jogadores decidiram qual sistema querem usar, adaptaram suas regras a seus gostos pessoais, eliminando algumas e acrescentando outras, e definiram um cenário para campanha. Todos desejam um jogo pleno, a construção de uma boa estória com excelentes personagens decentemente interpretados. Muito bem. Em assim sendo, então, respeitem o quê vocês escolheram. Tais escolhas estabeleceram quais são os parâmetros da raiz teatral do RPG que devem ser seguidos para aquela aventura – sigam-nas.

O que se quer dizer aqui é que a forma de construir a estória e de se interpretar os personagens deve estar ajustada e fazer sentido frente ao tipo de aventura que os jogadores desejaram construir. Pode acontecer, claro, que os jogadores percebam que queriam construir um tipo de estória diferente, e simplesmente mudem o estilo adotado. Ótimo. Mas, se não for esse o caso, a falta de sintonia entre a efetiva atuação dos jogadores e os parâmetros teatrais pré-definidos será uma fonte constante de frustração para todos.

Vamos a alguns exemplos. Os personagens escolheram fazer uma campanha de natureza pós-apocalíptica, e escolheram jogar em Dark Sun. Tal cenário não tem espaços para piadinhas constantes, nem para personagens superconfiantes que não temem pela própria sobrevivência. Se todos os jogadores interpretarem personagens engraçadinhos que fazem gracinhas o tempo inteiro, estarão perdendo grande parte da qualidade narrativa e da espécie de diversão que uma estória em Dark Sun pode ter. Ah, mas nós estamos nos divertindo, diriam os jogadores. Muito bem – mas poderiam estar se divertindo muito mais, em algum outro cenário onde as piadinhas fizessem sentido narrativo. Até uma caricatura de Dark Sun, talvez – mas uma caricatura, não o próprio Dark Sun.

Não que não possa haver humor em Dark Sun – claro que pode. Mas é necessário que faça sentido,  que seja circunstancial, e não que se torne a marca principal da aventura jogada.   

O mesmo é válido para a arrogância em relação à própria sobrevivência. Em Dark Sun, um personagem que resolve loucamente entrar no Deserto sem suprimentos, simplesmente porque ele tem 89 níveis e quinze classes de prestígio, vai morrer. Bom, pelo menos deveria morrer. Athas, o mundo da campanha de Dark Sun, não é um lugar para esse tipo de gente. Um dos primeiros aspectos do comprometimento dos jogadores com o jogo está vinculado precisamente ao respeito à exigências teatrais do tipo de estória que foi escolhida. Não importa quão poderoso o Gladiador Mul seja – ele não vai entrar no Deserto sozinho e nu simplesmente porquê deu na telha.

Os exemplos de personagens anacrônicos e deslocados são infinitos. Um elfo negro cego ninja no Reino de Cormyr, em Forgotten Realms. Um Monge Orc com rabo de gato, em qualquer mundo fora do DiscWorld. Um personagem em Call of Ctulhu que, ao invés de gritar de pavor diante de um vampiro, saca seu revólver. Um mercenário espacial que não teme um Sith Lord ...

Não existem cenários bons e ruins, formas de jogar e interpretar boas ou ruins. O que existe, sempre, é coerência. Um dos principais fatores que determinam a existência ou não da diversão que deflui do jogo de RPG, da construção da estória e da interpretação dos personagens, está diretamente vinculado ao quanto os jogadores estão se dedicando para que todos esses fatores estejam adequadamente ajustados ao tipo de estória e ao cenário que foi previamente escolhido. E, se descobrirem que aquilo não era bem o quê queriam, mudem ... mas não insistam em interpretar Joey Lightning, o Elfo Pistoleiro, na Terra Média.

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