segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Anatomia do RPG

anatomia
a.na.to.mi.a
sf (gr anatome+ia1) 1 Disposição, forma e situação dos órgãos de um ser vivo. 2 Compleição, aparência somática: A forte anatomia do atleta. 3 Arte de dissecar os corpos organizados a fim de estudar a estrutura dos órgãos e suas relações. 4 Tratado com as regras dessa arte ou os resultados de tal estudo. 5 Designa partes de um corpo dissecado, conservadas, ou a imitação dessas partes em material adequado, para fins didáticos. 6 Dissecção, autópsia.7 fig Análise minuciosa ou exaustiva de uma obra qualquer, material ou de criação artística: O crítico fez a anatomia do romance.





A sigla RPG, como qualquer um que tenha chegado até aqui certamente sabe, significa “roleplaying game”, ou, em outras palavras, jogo de interpretação de papéis. Uma avaliação literal do termo implicaria em traduzir o “playing” para brincando, ou, melhor ainda, jogando. Ter-se-ia, então, um "jogo de jogar papéis". Revolvem no núcleo do “roleplaying”, então, dois aspectos centrais: o “jogar” e o “papel”.

O fato de se “jogar” em um RPG separa tal atividade do teatro – se não fosse o aspecto da existência de regras, e de uma seqüência de possibilidades de resolução mecânica de situações e de conflitos, o RPG se resumiria à construção caseira de peças teatrais, condenadas a jamais serem apresentadas ao público. Esse aspecto do RPG está diretamente vinculado à sua origem em "War Games", nos quais as regras para resolução de lutas e batalhas são o centro do sistema de jogo.

É curioso notar, portanto, que o RPG não surgiu espontaneamente do teatro, apenas, mas dependeu dos jogos de guerra para receber um embasamento mecânico de regras. 

Se o “jogar” afasta o RPG do teatro, o  “papel” o aproxima novamente. Na medida em que se “joga com um papel”, fica evidente que, a despeito da existência de regras mecânicas para a solução de situações e de conflitos, há um papel a ser interpretado. Esse segundo aspecto, portanto, vincula o RPG às peças teatrais. Uma peça de teatro, a princípio, encontra limites tão somente na imaginação do seu autor ou autores - ainda que existam mecanismos teóricos e críticos para se julgar se uma peça é boa ou ruim.

O jogo, portanto, vive e se desenvolve através de uma tensão constante entre “jogar” e “interpretar” o papel – isso porque se tratam de atividades antagônicas. A construção e a interpretação de papéis em si não encontra nem limites nem regras, pois é livremente vinculada à imaginação; mas a existência das regras mecânicas herdadas dos War Games é um limitador presente e constante de quais papéis podem ser construídos, de como tais papéis devem ser interpretados e de como a atuação pode interferir, de várias formas possíveis, na estória que está sendo construída no jogo.

Qualquer conjunto de regras de RPG, de qualquer sistema que exista, sempre servirá, em maior ou menor escala, como um limitador da interpretação de papéis – porque as regras regulam a forma dessa atuação. Evidentemente, diferentes sistemas e estilos de jogo propõem relações diferentes entre o quanto a interpretação é livre, e o quanto ela é presa por regras. Todas as aventuras e estórias de RPG, entretanto, se amparam em algum ponto intermediário entre jogo e papel, regra e interpretação. 

Alguns darão maior liberdade de interpretação. Outros terão regras mais rígidas e inflexíveis. Mas, se um RPG se voltar totalmente para a interpretação, será teatro; e se se voltar totalmente para as regras que integram o sistema de jogo, será War Game. Todo RPG, como incluso nesse gênero de jogo, é uma tentativa de harmonizar regras e interpretações, ou, em outros termos, dar forma à como a imaginação livre pode ser expressada no jogo.

Tal circunstância tem diversas implicações, que serão exploradas nos próximos textos teóricos.