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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

As Crônicas de Tallyar - #8.

* Referência: As Crônicas de Tallyar - #7.


As Casas de Nobreza do Reino de Tallyar




AS CASAS MAIORES

1. Clã do Escudo Partido:
Raça: Anões.
Título: Earl.
Domínios: Ballia e as Escarpas Tyrrias, acima do Bronéas.

2. Elsfonor:
Raça: Elfos.
Título: Príncipe.
Domínios: Quelfas e a parte norte da Floresta Alta.

3. Losrhian:
Raça: Elfos.
Título: Cavaleiro.
Domínios: Yallian e a parte sul da Floresta Alta, até o lago e o rio Bronéas.

4. Strenski:
Raça: Bárbaros.
Título: Arquiduque.
Domínios: Castelo Strensk e arredores ao norte.

5. Walchow:
Raça: Bárbaros.
Título: Conde.
Domínios: Cidadela de Walchia e arredores ao sul.

6. Hajna:
Raça: Humanos.
Título: Arquiduque.
Domínios: Terras ao Redor de Dénes, abaixo de Yaltha até as Escarpas Tyrrias – atuais administradores de Dénes.

7. Vinge:
Raça: Humanos.
Título: Arquiduque.
Domínios: Terras ao Redor de Vili – atuais administradores de Vili.


AS CASAS MENORES


1. Ildiko – Barão – Terras ao redor do Lago Arthol.

2. Virag – Conde – Terras ao redor de Kalman.

3. Sári – Conde – Terras ao Redor de Gaszi.

4. Piri – Barão –Terras na Fronteira com o Rio Crynes.

5. Almos – Barão – Terras nas Florestas ao norte de Ballia.

6. Laci – Conde – Terras nas Planícies do Leste.

7. Levi – Marquês – Marca entre o Lago Porthus e a Floresta Alta.




AS CASAS PROSCRITAS


1. Todor – Cavaleiro – Castelo fincado nas Escarpas Tyrrias.

2. Robi – Cavaleiro - Castelo em Vila na fronteira com a Floresta ao norte de Ballia.

3. Pisti – Capelão – Igrejas no Sul.

4. Odon – Cavaleiro - Castelo e propriedades em Dénes.

5. Otto – Cavaleiro – Exílio em propriedades em Gaszi.

6. Nandor – General – Propriedades em Kalman.

7. Moric – Cavaleiro – Castelo ao norte de Dénes.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Mapas e RPG - Parte I.

Os mapas e os jogos de RPG estão, desde o princípio do hobby, umbilicalmente interrelacionados, a ponto de que, até os dias de hoje, dificilmente uma aventura de RPG se desenvolve sem a presença de pelo menos alguns mapas básicos. Na medida em que os War Games dependem, todos eles, de mapas que expressem a situação tática do jogo e que permitam a visualização e o desenvolvimento dos combates e das batalhas, os jogos de RPG, fiéis à sua origem, incorporaram de imediato os mapas aos seus livros e suplementos.

Tanto é que, por exemplo, os primeiros mapas do Dungeons and Dragons, e de outros jogos tais como Tunnels and Trolls e Rolemaster, eram todos divididos em hexágonos, seguindo o padrão de segmentação do terreno adotado pela grande maioria dos War Games. Ao contrário dos jogos de guerra, porém, os mapas de RPG não serviam exclusivamente para permitir o desenvolvimento das batalhas. Paralelamente aos mapas de calabouços, labirintos e cenários de combate em geral, os livros de jogo traziam diversos mapas territoriais, que representavam os reinos, países e regiões que as personagens exploravam e habitavam.

Uma das marcas de Greyhawk, o mais clássico dos mundos de Dungeons and Dragons, eram seus belos mapas hexagonais, cultuados até hoje pelos jogadores que tiveram contato com esse material. Segue um exemplo abaixo:



Imagem retirada do blog Greyhawk Grognard


A análise teórica do papel dos mapas nos jogos de RPG perpassa por três eixos distintos,  que estão presentes em qualquer mapa de RPG: a forma de confecção do mapa, ou, quais materiais e recursos foram utilizados para a sua confecção; o estilo de confecção do mapa, ou, a partir da forma de confecção selecionada, quais elementos gráficos foram utilizados para o desenho; e a finalidade do mapa, ou seja, porque o mapa foi feito, tendo em vista uma aventura ou campanha específica. Além disso, é importante ter em mente como esses três eixos se relacionam, e, de certo modo, tornam-se dependentes uns dos outros.

Cada um desses eixos será discutido em um texto próprio. De todo modo, a primeira coisa que um mestre de jogo deve pensar antes de confeccionar um mapa, é se ele realmente é necessário para sua campanha. Conquanto tal pergunta esteja relacionada à finalidade do mapa, é importante fazer uma breve nota sobre ela ainda aqui. A confecção de mapas é trabalhosa e consome bastante tempo. É muito comum que até mesmo mestres experientes terminem perdendo tempo e energia criando e desenhando mapas que terminam tendo um uso apenas marginal no jogo, quiçá uso nenhum. 

Nesse sentido, é conveniente evitar a confecção de mapas que não terão verdadeiro uso para os jogadores. Não é toda taverna ou estalagem que precisa de um layout, nem toda vila necessita de um mapa para se tornar viva aos olhos dos jogadores. Em verdade, nem mesmo a maioria das grandes cidades requer tanto detalhamento. Apenas aqueles locais que realmente terão uma grande importância para a campanha, e que, ademais, precisam estar detalhadas graficamente, é que merecem a confecção de um mapa.

É claro que, bom, se você tiver tempo e estiver mergulhado um um surto de criatividade, vá em frente e mapeie tudo que lhe der vontade. De todo modo, mapeie por prazer - nunca é bom se sentir pressionado a mapear para uma determinada sessão de jogo. Como dito, são poucos os locais e regiões que verdadeiramente dependem de mapas para funcionarem dentro do jogo.

 

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

As Crônicas de Tallyar - #6.

* Referência: As Crônicas de Tallyar - #6.

A Restauração e o Reinado de István Bálazs


István dedicou-se, pelos últimos vinte anos, a fortalecer Tallyar. A maior parte dos esforços foi dedicada à construção e fortificação de Yaltha, e à revitalização do Porto de Vili, único acesso ao mar viável do país. Nesse meio tempo, teve uma filha meia-elfa, Bianka, e um filho bastardo, Akós, que tem pretensões de assumir o trono do pai – com o apoio de alguns nobres, que vêem o bastardo humano com melhores olhos do que à elfa.

As casas de Strenski, Hajna e Vinge receberam Arquiducados dentro do Reino, e as demais casas foram novamente alocadas em suas posições originais. Os votos feudais foram refeitos, e as obrigações de auxílio militar e de envio de parentes, reforçadas.

Nesse meio tempo, o Império de Alltenstarch se recompôs. Os Holzsenteins venceram a guerra civil, e derrotaram os invasores, a despeito de perderem alguns territórios, principalmente ao sul. Apesar do golpe, o Império, liderado pelo brutal Friedleich, encontra-se forte e saudável, após os terríveis anos da libertação de Tallyar. E também o Império de Gárrya tornou-se poderoso novamente, e tropas concentram-se na fronteira.

A jovem Bianka está em idade de se casar – e existem pretendentes em praticamente todos os reinos de Prystina. O paradeiro de Akós é desconhecido – as últimas notícias indicam que ele estava em uma expedição de caça com amigos nas Escarpas Tyrrias. O Rei István tem um plano audacioso, mas secreto, ainda, para construir castelos e fortificações pelo país – mas, para o norte, ou para o sul? Ou ambos? O pequeno Reino de Tallyar, experimentando sua ainda recém-conquistada independência, vez mais se encontra imprensado entre dois Impérios gigantes, sanguinolentos e rivais ...

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

As Crônicas de Tallyar - #5.

* Referência: As Crônicas de Tallyar - #4.


O Reinado dos Forsthar e a Guerra Civil


Apesar de muito mais duradouro, já que perdurou por quase cento e cinqüenta anos, o domínio de Alltenstarch sobre Tallyar foi muito mais leve que a experiência gárrya. As culturas de ambos os povos eram semelhantes, e suas estruturas políticas eram similarmente feudais, de modo que a vida em Tallyar, nessa época, não diferia muito daquela sob o antigo domínio dos Bálazs.

A diferença real era sentida pelos nobres, que foram privados de suas terras, direitos e prerrogativas, e se viram muitas vezes obrigados a trabalhar no cultivo da terra e no comércio para sobreviverem, já que haviam sido desprovidos de qualquer força política. As famílias tradicionais foram substituídas por nobres vindos do norte.

Ao sul, Gárrya parecia não se recuperar das guerras no leste. Os senhores Allten tinham muito mais medo de guerrilhas e resistência local do quê de uma nova invasão gárrya. O principal trabalho político dos “Reis” de Tallyar foi destruir as defesas e fortificações que haviam sido erguidas ao longo das muitas guerras pelas quais o país passou.

Enquanto isso, a casa de Bálazs buscava abrigo e apoio pelos reinos, países e cortes de Prystina. Porém, não foram recebidos nem nas terras quentes de Illya e de Bondor, nem nas Ilhas de Castya, nem nos principados de Agrarth, ou nas penínsulas de Vyrna e de Joern. Apenas nas Cortes distantes de Larthor foram acolhidos, mas os senhores dessas terras eram tão pobres que não podiam ajudá-los. Jamais pisaram na República de Safira, já que se recusavam a aceitar a ajuda de plebeus ...

Desesperados para manter sua dinastia viva, os lordes Bálazs decidiram retornar às terras de Tallyar e dar início a uma guerrilha, e, se possível, a uma nova guerra civil, para retomar o trono que lhes pertencia por direito. Buscaram ajuda junto ao povo, mas esse tinha medo e vivia relativamente bem – o risco, para os camponeses, era grande demais. Buscaram ajuda junto aos nobres, mas esses tinham medo e não possuíam força nem política nem militar. Lorde István Bálazs tentava organizar um exército, mas praticamente não tinha recursos próprios, e era usualmente acompanhado tão somente por sua guarda pessoal e família.

Finalmente, um nobre sem honra e cobiçoso, Yaro Largho, denunciou a presença dos Bálazs ao governo Forsthar. À noite, a coorte de István viu-se obrigada a combater e fugir pela própria vida. Em uma perseguição desesperada, refugiaram-se no interior da Floresta Alta. E lá encontraram os elfos. E esperaram a morte.

Elfos arqueiros, escondidos na mata, os capturaram. Eles foram conduzidos à presença de Argaith Elsfonor, descendente do rei elfo que outrora havia sido deposto e morto por Orban. István apresentou-se, e jurou ao elfo que estava pronto para a morte.

Mas Argaith disse-lhe que seu povo havia sido derrotado em combate pela casa de Bálazs, e que lhes havia jurado lealdade. A política humana era suja, mas a dos elfos não era. Argaith jurou lealdade a István, renunciou ao título que simbolicamente possuía junto a seu povo, e colocou os guerreiros élficos à disposição do lorde humano.

Profundamente envergonhado pelo que sua casa havia feito aos elfos, István pediu perdão de joelhos a Argaith, e a todos os elfos presentes. Essa cena, atualmente, encontra-se imortalizada no átrio do Castelo Vyryana em Yaltha, a nova Capital de Tallyar, em quadro pintado pelas mãos de Syara, a Cega. Dos recônditos escuros da Floresta Alta, os guerreiros elfos iniciaram uma campanha de guerrilha contra os invasores.

Aos poucos, a guerrilha começou a ter sucesso. Guerreiros empolgados juntavam-se, na Floresta Alta, à Revolta Bálazs. Patrulhas sofriam perdas constantes, suprimentos eram desviados e roubados, estrangeiros eram assassinados sem piedade. Após dois anos de revolta, a cidade de Dénes, mais ao sul, foi tomada em um ataque surpresa noturno, e tornou-se a praça forte da Revolução.

Pouco tempo depois, os anões do clã do Escudo Partido apareceram. Apesar de desconfiados dos elfos, e morrendo de ódio, não podiam aceitar que elfos honrassem compromissos e eles não. Juraram novamente lealdade aos Bálazs, e juntaram-se à guerra. As casas de Strenski, Hajna e Vinge também rumaram para Dénes, e se juntaram a Istvan.

Nessa época, apareceram em Tallyar emissários gárryos. Eles estavam diferentes. Muito diferentes. Pouco se sabe, mas parece que a guerra do leste resultou na fusão dos dois Impérios que se digladiavam. Eles ainda se chamavam gárryos, mas não eram mais os mesmos. Uma missão foi até o Rei de Tallyar, Tharrus Forsthar e lhe deu um ultimato: que reconhecesse o direito ao trono de Tallyar da Casa de Bálazs, e que se recolhesse para suas terras em Alltenstarch, sob pena da fúria de Gárrya.

Outra missão foi até o próprio István. Estavam dispostos a apoiá-lo, e informaram-lhe do ultimato a Tharrus. Mas todos sabiam o que iria acontecer: Tharrus marcharia com seu exército sobre Dénes, em uma tentativa de suprimir a rebelião – desse modo, não haveria a quem os gárryos apoiarem. Era necessário, portanto, vencer essa batalha. Se Tharrus fosse derrotado em combate, seria viável negociar a independência de Tallyar com Alltenstarch. Ainda assim, era possível que o Império invadisse Tallyar para garantir a vassalagem da região.

István não tinha ilusões. Sabia que os gárryos o apoiavam somente porquê ainda não tinham forças para invadir, por si só, Tallyar, que também consideravam sua por direito. Mas não tinha opções, e aceitou de bom grado as armas, armaduras e suprimentos enviados pelo Império do Sul.

De fato, Tharrus reuniu seus exércitos e partiu rumo a Dénes – István preferiu evitar o cerco, pois tinha quase certeza que pereceria de fome e sede. Na famosa Batalha dos Campos de Lírios, um contingente inferiorizado de humanos, elfos e anões, liderados por István e Argaith, derrotou e virtualmente aniquilou o grosso das tropas de Tharrus, sendo que o próprio cão invasor foi morto pela lâmina de István. Argaith, lamentavelmente, caiu em combate.

Após a inesperada vitória sobre os invasores, a grande dúvida girava em torno de avançar e tentar expulsar de vez os homens de Allten, ou fortificar Dénes e capitalizar sobre a vitória conquistada. As notícias de além do Rio Crynes, entretanto, chegaram rápido a Tallyar e a Gárrya. O Império de Alltenstarch havia sido invadido em seu extremo norte pelos selvagens guerreiros de Vyrna e de Joern. O Imperador morrera em campo de batalha sem deixar filhos, e nobres do leste eclodiram uma sanguinolenta guerra civil. Ao leste e ao sul, alguns dos principados de Agrarth, e o Rei de Illya, tinham pretensões expansionistas. E a República de Safira não se incomodaria em estabelecer uma ou duas colônias no continente. O Império, literalmente rachado em várias partes, não poderia ajudar seu vassalo.

Era a hora. Com o apoio de Gárrya, István marchou sobre Listza, e, praticamente sem encontrar resistência, desbaratou o quê restava do governo invasor. A cidade não foi destruída, mas sofreu bastante com as comemorações pela derrota da casa de Forsthar. No sítio onde foi erigido o primeiro castelo de madeira de Tallyar, construído pelo lendário Duque Andor, foi erguida a nova capital do Reino: Yaltha.

E, em Yaltha, István foi coroado o novo Rei de Tallyar, com amplo apoio da delegação gárrya. Nesse dia, para compensar e proteger os elfos, István casou-se com Yellena, filha de Argaith, que se tornou a primeira rainha élfica de Tallyar – para enorme desgosto dos anões e de muitos humanos.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Segunda conseqüência da anatomia.

* Referência: Primeira conseqüência da anatomia - Parte II.

Os jogadores decidiram qual sistema querem usar, adaptaram suas regras a seus gostos pessoais, eliminando algumas e acrescentando outras, e definiram um cenário para campanha. Todos desejam um jogo pleno, a construção de uma boa estória com excelentes personagens decentemente interpretados. Muito bem. Em assim sendo, então, respeitem o quê vocês escolheram. Tais escolhas estabeleceram quais são os parâmetros da raiz teatral do RPG que devem ser seguidos para aquela aventura – sigam-nas.

O que se quer dizer aqui é que a forma de construir a estória e de se interpretar os personagens deve estar ajustada e fazer sentido frente ao tipo de aventura que os jogadores desejaram construir. Pode acontecer, claro, que os jogadores percebam que queriam construir um tipo de estória diferente, e simplesmente mudem o estilo adotado. Ótimo. Mas, se não for esse o caso, a falta de sintonia entre a efetiva atuação dos jogadores e os parâmetros teatrais pré-definidos será uma fonte constante de frustração para todos.

Vamos a alguns exemplos. Os personagens escolheram fazer uma campanha de natureza pós-apocalíptica, e escolheram jogar em Dark Sun. Tal cenário não tem espaços para piadinhas constantes, nem para personagens superconfiantes que não temem pela própria sobrevivência. Se todos os jogadores interpretarem personagens engraçadinhos que fazem gracinhas o tempo inteiro, estarão perdendo grande parte da qualidade narrativa e da espécie de diversão que uma estória em Dark Sun pode ter. Ah, mas nós estamos nos divertindo, diriam os jogadores. Muito bem – mas poderiam estar se divertindo muito mais, em algum outro cenário onde as piadinhas fizessem sentido narrativo. Até uma caricatura de Dark Sun, talvez – mas uma caricatura, não o próprio Dark Sun.

Não que não possa haver humor em Dark Sun – claro que pode. Mas é necessário que faça sentido,  que seja circunstancial, e não que se torne a marca principal da aventura jogada.   

O mesmo é válido para a arrogância em relação à própria sobrevivência. Em Dark Sun, um personagem que resolve loucamente entrar no Deserto sem suprimentos, simplesmente porque ele tem 89 níveis e quinze classes de prestígio, vai morrer. Bom, pelo menos deveria morrer. Athas, o mundo da campanha de Dark Sun, não é um lugar para esse tipo de gente. Um dos primeiros aspectos do comprometimento dos jogadores com o jogo está vinculado precisamente ao respeito à exigências teatrais do tipo de estória que foi escolhida. Não importa quão poderoso o Gladiador Mul seja – ele não vai entrar no Deserto sozinho e nu simplesmente porquê deu na telha.

Os exemplos de personagens anacrônicos e deslocados são infinitos. Um elfo negro cego ninja no Reino de Cormyr, em Forgotten Realms. Um Monge Orc com rabo de gato, em qualquer mundo fora do DiscWorld. Um personagem em Call of Ctulhu que, ao invés de gritar de pavor diante de um vampiro, saca seu revólver. Um mercenário espacial que não teme um Sith Lord ...

Não existem cenários bons e ruins, formas de jogar e interpretar boas ou ruins. O que existe, sempre, é coerência. Um dos principais fatores que determinam a existência ou não da diversão que deflui do jogo de RPG, da construção da estória e da interpretação dos personagens, está diretamente vinculado ao quanto os jogadores estão se dedicando para que todos esses fatores estejam adequadamente ajustados ao tipo de estória e ao cenário que foi previamente escolhido. E, se descobrirem que aquilo não era bem o quê queriam, mudem ... mas não insistam em interpretar Joey Lightning, o Elfo Pistoleiro, na Terra Média.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

As Crônicas de Tallyar - #4.

* Referência: As Crônicas de Tallyar - #3.



A Queda da Casa de Bálazs e a Ocupação Gárrya


Ao norte de Tallyar, as vastas planícies de Allten haviam sido finalmente unificadas sob o governo feudal da casa de Holzsentein, que se tornou a senhora de um imenso império de vassalos. O Império de Alltenstarch, por sua própria natureza e tamanho, nasceu em guerra e ávido por conquistas. Não demorou muito até que os olhos cobiçosos dos Imperadores Holzsentein se lançassem sobre o pequeno Reino de Tallyar. Já próximo do final do reinado de Orban, os primeiros embaixadores de Alltenstarch chegaram à corte tallyar, com propostas de comércio e tratados de paz.

Ao sul, porém, um inimigo mais ávido ainda remoía seus planos de conquista. O Império que nascera da magnífica cidade de Gárrya era quase alienígena para os povos do norte de Prystina – e, muito superior, cultural, militar e arcanamente. Acredita-se, até hoje, que os gárryos tem sangue de demônio nas veias, e que todos são capazes de fazer rituais e magias complexas. Ao contrário de Alltenstarch, já no reinado de Cratiu, sucessor de Orban, os emissários de Gárrya não chegaram com propostas comerciais, mas sim com uma exigência de vasssalagem e fidelidade.

A ameaça foi considerada uma piada pelos guerreiros de Tallyar, e foi prontamente recusada. E, assim parecia ser. Cratiu governou em paz, e foi sucedido por Tamas. No décimo ano de reinado de Tamas o ataque veio. Brutal, feroz e sem aviso. Conta-se que trezentos mil soldados de Gárrya invadiram Tallyar - os outrora orgulhosos guerreiros foram humilhados em sua própria terra, e sua resistência mal durou quatro anos.

As casas derrotadas, dentre elas os próprios Bálazs, procuraram refúgio ao norte, no Império de Alltenstarch. Foram recebidos pelo Imperador como irmãos em dificuldade e sofrimento. Na Corte do Imperador, as casas nobres de Tallyar pediam ajuda ao Império para retomarem seu Reino. O Imperador prometia e prometia e prometia.

Por cinqüenta anos Tallyar foi governada por Interventores gárryos. O povo foi oprimido e escravizado; a cultura local sobrevivia à noite, na sorrelfa. Curiosamente, a arquitetura e infraestrutura locais se beneficiaram muito do domínio gárryo - grandes monumentos, estradas, postos de correio, portos fluviais, e obras estruturais como um todo foram erguidas ou reparadas pelos gárryos. Tallyar não passava de um estado tampão entre dois impérios, vassalo-escravo de um deles. Nessa época, foi como se os anões houvessem desaparecido.

Os Imperadores de Alltenstarch, entretanto, não estavam quietos. Lentamente planejaram a invasão de Tallyar. Aproveitaram-se de um momento no qual os gárryos estavam envolvidos em guerras no leste, com povos estranhos e desconhecidos, e convocaram seus nobres para guerra. As casas de Tallyar foram convidadas a se juntar à invasão.

A Primeira Guerra Allten-Gárrya durou dez anos. Apesar de enfraquecidos pelas batalhas do leste, as tropas que guarneciam Tallyar eram fortíssimas e bem treinadas. Mas nem elas conseguiram suportar a pressão de todo o exército do Império de Alltenstarch reunido. Finalmente as hostes feudais derrotaram as organizadas tropas gárryas, que foram obrigadas a recuar para trás do Bronéas, rumo às terras desérticas do sul. O país foi novamente destruído, mas muitas das construções gárryas permaneceram. Tyarna, a capital, queimou e ardeu até o chão.

Os Bálazs e as casas nativas de Tallyar esperavam que o Imperador Markus Holzsentein entregasse a coroa ao herdeiro legítimo do Reino, Miksa Bálazs. Mas não eram esses os planos do Império. Markus declarou que as casas de Tallyar haviam praticado traição durante a guerra, e, por isso, deveriam ser punidas. – Aquelas que jurassem lealdade ao Império, seriam perdoadas, mas os Bálazs, que eram os maiores traidores, estavam banidos e foram declarados “sem paz” e criminosos. Quais teriam sido essas traições foi considerado “Segredo de Estado”, e jamais revelado, nem mesmo para as casas “traidoras”.

Documentos foram apresentados “provando” que os Bálazs eram parentes da Casa de Forsthar, muito próxima aos Holzsenteins, e a Coroa de Tallyar foi entregue ao Duque Karl Forsthar, que jurou vassalagem imediata ao Império. Pela segunda vez, Tallyar encontrava-se sob domínio estrangeiro, sendo governada a partir da recém-fundada cidade de Listza.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Primeira conseqüência da anatomia - Parte II.

* Referência: Primeira conseqüência da anatomia - Parte I.

Pois bem. O grupo concluiu que realmente quer jogar RPG: todos se comprometeram a dar o máximo de si em busca da construção de uma boa estória, a interpretar adequadamente seus personagens e a seguir as regras adotadas para a realização dos dois primeiros objetivos. Volta-se, então, para as duas primeiras perguntas apresentadas anteriormente: o sistema utilizado satisfaz os jogadores, em relação à suas regras e às suas exigências interpretativas? e, existe algum outro sistema que seja mais adequado a como os jogadores pensam, e quais estórias eles gostariam de construir?
    
Vamos a alguns exemplos. Se os jogadores desejam jogar uma aventura fantástica em um mundo medieval, é muito mais fácil eles tentarem construir sua estória com base em alguma das encarnações de Dungeons and Dragons do quê com as regras do World of Darkness. Pode ser, porém, que eles desejem um sistema mais realista, com regras mais densas: GURPS poderia ser a solução.
  
Por outro lado, pode ser que os jogadores queiram uma aventura sci-fi. Tentar fazer isso com o Dungeons and Dragons dificilmente dará certo (pensando tanto no sucesso, quanto no insucesso, desse tipo de tentativa, lembro-me do antigo Spelljammer). Há sistemas muito melhores para isso, como o Star Wars D6, ou Mechwarrior, se o grupo gostar de robôs gigantes.
 
A questão aqui é que tentar forçar determinados sistemas a fazer coisas que eles não dão conta, ou melhor, para o quê eles não foram concebidos, dificilmente resultará em uma experiência de jogo satisfatória. Não adianta, seu guerreiro medieval em GURPS não vai derrotar sozinho uma horda de trezentos goblins, como seu guerreiro medieval em Dungeons and Dragons dá conta. Tampouco espere, pelo menos na maioria das vezes, que os grupos de heróis em Dungeons and Dragons tenham medo de morrer porquê apareceram alguns dragões.
  
Os jogadores, portanto, devem refletir sobre isso. Às vezes, algumas simples adaptações caseiras tornam o jogo ajustado ao estilo favorito do grupo – ou melhor, ao estilo desejado para aquela estória específica, para aquela aventura que está para começar. Em outros casos, porém, é melhor procurar um sistema inteiramente novo e diferente, melhor ajustado ao quê se deseja e pretende.
  
O mesmo raciocínio é válido para módulos, mundos e cenários de campanha. Se o grupo não deseja que magia e tecnologia andem juntas, não tentarão fazer um jogo no universo de Eberron, ou do próprio Star Wars. Se os jogadores não querem uma estória repleta de magia o tempo inteiro, não jogarão em Forgotten Realms. E por assim por diante. O importante é que os jogadores, pelo menos o mestre, nem que seja só ele, pense sobre o tipo de estória que deseje construir, e faça uma escolha consciente sobre o sistema e o cenário que será utilizado, com base justamente no que pretende fazer.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

As Crônicas de Tallyar - #3.

*Referência: As Crônicas de Tallyar - #2.


A Fundação do Reino e as Guerras Élficas


De todos os inimigos de Gizella,  Kalmus foi o mais difícil de ser derrotado, e aquele que mais violentou a terra e o povo de Tallyar. Com o final da Guerra, seu corpo foi fincado em uma estaca em Tyarna, para que todos vissem sua derrota. Poderosas magias afastaram o apodrecimento natural do cadáver, que somente desapareceu quando totalmente devorado por pássaros e outros seres sombrios da noite.

Gizella, entretanto, não estava satisfeita. Ardia em seu peito o ódio pelos bárbaros dos Vales dos Lobos – que deveriam ser punidos pela afronta que praticaram. Suas tropas estavam prontas e armadas, e a guerra já durava tanto tempo, que quase ninguém se lembrava de como era estar em paz. Menos de dois meses após o fim das Guerras de Sucessão, Gizella, já velha, partiu com seu exército em campanha contra os bárbaros conhecidos pelo nome de bakar.

Os planos eram expandir a fronteira do Arquiducado até as margens do profundo rio Cltester, subjugando ou expulsando as tribos bakar que se encontrassem no caminho. Os clãs de guerreiros do norte estavam extremamente enfraquecidos após a aventura de Kalmus, e ofereceram muito pouca resistência ao avanço dos experientes soldados tallyar.

Dessa invasão, duas casas nobres surgiram, como prêmio a chefes bárbaros que aceitaram espontaneamente o domínio e a soberania de Gizella – a Casa de Strenski e a Casa de Walchow. A velha guerreira, entretanto, não resistiu aos rigores do inverno dos Vales dos Lobos, e faleceu de pneumonia crônica, nos braços de seu filho e herdeiro, Orban Bálazs.

Com a mãe morta em seu colo, Orban sabia que seu poder e título estavam seriamente ameaçados. Nada impedia a eclosão de uma nova guerra civil, contestando a sua capacidade e o seu direito ao Arquiducado. Todos esperavam que a Arquiduquesa desse início aos trabalhos de reconstrução do país, e criasse as condições para uma sucessão tranqüila.

Orban não teve dúvidas – apenas uma nova guerra impediria a possibilidade do estouro de qualquer espécie de revolta. Nas terras recém-anexadas dos bakar, em frente a seus guerreiros e chefes bárbaros subjugados, proclamou-se o novo Arquiduque e declarou que era chegado o momento de vingar a perfídia dos elfos traidores que haviam se recusado a ajudar os amigos anões.

Assim iniciaram-se as Guerras Élficas, quando as tropas de Tallyar invadiram a Floresta Alta e o Reino de Billandra. Os elfos contavam com suas táticas de guerrilha, e com a escuridão das matas para prevalecer sobre os humanos. Mas os guerreiros de Tallyar haviam aprendido tais técnicas e estratégias durante a cruel Guerra Civil dos últimos anos. Orban revelou-se um gênio militar, e o Reino de Billandra caiu em menos de um ano.

Orban, ao tratar com os elfos derrotados, não foi generoso como sua mãe havia sido com os bárbaros.  As terras da Floresta Alta foram anexadas, as cidades élficas destruídas e queimadas, o povo chacinado e espalhado pela Floresta em pequenas tribos e conglomerados. Os poucos nobres sobreviventes foram obrigados a jurar lealdade a Orban e a Tallyar.

Ao retornar para Tyarna, Orban julgou que era hora de tornar-se mais poderoso do que já era. Convocou todos os nobres do Arquiducado, e em longa cerimônia, fundou o Reino de Tallyar, e proclamou-se Rei daquela terra. Não houve oposição. Novos títulos foram distribuídos entre a nobreza, e ninguém ousava questionar o cruel rei guerreiro que consolidava, naquele momento, todo seu poder adquirido ao longo de anos brutais.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

As Crônicas de Tallyar - #2.

* Referência: As Crônicas de Tallyar - #1.


O Arquiducado e As Guerras de Sucessão


O primeiro Arquiduque de Tallyar foi Erno Bálazs, conhecido como “Pai”, por ter sido efetivamente quem fundou, criou e desenvolveu as terras de Tallyar. Em seu longo governo de quarenta e sete anos, Erno fundou a capital do Arquiducado, Tyarna, bem como as cidades de Gaszi, Dénes, Kalman, e o porto de Vili. O “Pai” também fomentou a agricultura, o comércio e a construção de estradas, bem como estabeleceu relações com os elfos de Billandra e com as várias tribos bárbaras, humanas e demi-humanas, que habitavam nas regiões mais distantes e geladas dos Vales dos Lobos.

É dessa época o famoso Feudo do Martelo, uma guerra interna entre os novos clãs anões, que praticamente levou a raça uma segunda vez à extinção. Ballia foi quase destruída pela luta intestinal, e, no fim, somente a intervenção do próprio Erno evitou a catástrofe total. Dos sete clãs anões, somente a existência de dois – o clã do Escudo Partido, e o clã do Machado Fincado – foi permitida. Ambos receberam a missão de reconstruir Ballia, que deveria ser a única cidade anã do Arquiducado, e teriam os mesmos direitos e prerrogativas das casas nobres humanas. Tal manobra, efetivamente, consolidou a preponderância política e cultural humana sobre o Arquiducado.

Os problemas do Arquiducado se iniciaram com a morte de Erno Bálazs. Gizella Bálazs, sua única filha, considerava-se como a legítima sucessora ao título de seu pai. As demais casas nobres, entretanto, consideravam que a tradição iniciada ao final da Batalha de Ballia deveria ser seguida, e que uma nova Casa deveria ser eleita para ocupar o Arquiducado.

Das dezenove casas humanas, nove delas - Hajna, Ildiko, Virag, Sári, Piri, Almos, Laci, Levi e Vinge. - permaneceram leais a Gizella, que também foi apoiada pelo clã do Escudo Partido. O clã do Machado Fincado, liderado por Balrus, o Padre Anão, pretendeu se estabelecer como líder do Arquiducado, e foi apoiado pelas casas humanas de Todor, Robi e Pisti. O governador de Dénes, ao sul, Samuel Otto, declarou-se de imediato novo Arquiduque, e foi seguido pelas casas de Odon, Nandor e Moric. Por fim, as chamadas três casas sem nome, sediadas em Vili, aliaram-se em casamentos incestuosos profanos e se proclamaram messias de uma nova era satânica sob seu comando.

As casas revoltosas sabiam que, se lutassem entre si, não teriam chance contra as tropas leais a Gizella. Concluíram um acordo de cavalheiros para, de início, derrotarem a inimiga em comum, e, somente depois, disputarem entre si a liderança de Tallyar. Em Ballia, os exércitos do clã do Escudo Partido resistiam bravamente à revolta do clã do Machado Fincado e de suas casas aliadas. Os exércitos dos demais revoltosos aglomeraram-se ao sul, na Estrada do Terreiro, ainda em construção, à época.

Gizella partiu com suas tropas para enfrentar seus inimigos, mas o pior ainda estava por vir. Ao norte, Kalmus, que se revelou como o desconhecido filho bastardo de Erno, conquistou a amizade de tribos de bárbaros, orcs, hobgoblins e gigantes, oriundos dos recônditos gelados dos Vales dos Lobos, e adentrou o coração de Tallyar - terras que considerava suas por direito – pilhando, saqueando e destruindo tudo em seu caminho.

Foram longas décadas de Guerra Civil, que arrasaram o jovem Arquiducado, e praticamente desfizeram o serviço de seu fundador. Atos horríveis foram praticados, heresias horrendas cometidas, abominações demoníacas presenciadas, mas, ao final, Gizella emergiu vitoriosa da contenda – ainda que já velha, e sem um dos olhos, perdido em combate, naquela que ficou conhecida como a Batalha do Dia em que Bronéas Enegreceu de Sangue, ou, simplesmente, Bronéas Torneador.

As casas sem nome foram completamente extirpadas e destruídas, assim como o clã do Machado Fincado. As casas derrotadas tiveram seus títulos de Conde reduzidos para o de mero Cavaleiro, e mesmo as casas aliadas foram obrigadas a jurar lealdade e reconhecer o direito incontestável dos Bálazs de governar soberanamente o Arquiducado – não sem receberem uma série de prerrogativas interessantes sobre seus domínios alodiais, bem como espólios de guerra, terras e possessões das casas derrotadas.

Ao clã do Escudo Partido foi concedida a primazia sobre todos os anões, e os direitos sobre Ballia. Por fim, o governo direto das cidades foi retirado das casas nobres, tornando-se prerrogativa do Arquiduque apontar os governadores vitalícios de cada uma delas. Não raro, porém, esses governadores são oriundos das famílias nobres da região.

A Guerra de Sucessão tornou os tallyar um povo ainda mais guerreiro e embrutecido do que já eram. Se, por um lado, as Guerras Inferiores já haviam transformado quase todos em renomados guerreiros, a luta fraternal ensinou o povo a encarar as dores das perdas e da traição, e a lutar nas situações mais extremas possíveis.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Wargus







As sociedades germânica e escandinava antigas, pré-existentes ao advento da Idade Média, apresentavam, como um dos elementos centrais de suas leis e conceitos jurídicos, a idéia de Fried, ou seja, de Paz. O mal-feitor condenado por um determinado crime na comunidade era dela excluído, e, conseqüentemente, tornava-se um friedlos, um “sem-paz”.

A principal característica de um friedlos era a ausência de qualquer espécie de proteção jurídica sobre sua pessoa. Qualquer homem poderia matá-lo, espancá-lo, roubá-lo, sem que com tal ato estivesse praticando homicídio, agressão ou roubo. Justamente por isso ele era um “sem-paz”.

Durante a Idade Média, a figura do bandido - comumente chamado de wargus, ou homem-lobo - herda as características do friedlos, na medida em que várias das leis do período definiam-no como passível de ser assassinado por qualquer pessoa, e, em certo sentido, consideravam-no como já morto.

As leis sálica e ripuária, por exemplo, usavam a expressão latina "wargus sit, hoc est expulsus", representando a exclusão do bandido, do homem-lobo, da comunidade, decorrendo daí a sua “morte” e a sua “matabilidade”. Não à toa, as lendas sobre lobisomens são, em certa medida, uma ressonância do temor e do perigo representados pelo wargus.

A incorporação desses conceitos a uma campanha de RPG pode gerar algumas sugestões interessantes de linhas de enredo e até mesmo de aventuras inteiras. Um Reino poderia ser organizado a partir da Fried, e suas leis e costumes seriam uma derivação da tentativa de manutenção da paz, ou seja, da ausência de crimes. As pessoas estariam particularmente preocupadas tanto em eliminar os elementos considerados como wargus na comunidade, quanto em evitar ser declarada como “sem-paz”.

Um bando inteiro de bandidos poderia ter sido declarado friedlos, e, com isso, seria um alvo tentador para a sanha justiceira de um grupo de aventureiros. Entretanto, não bastaria simplesmente capturá-los, ou derrotá-los e expulsá-los da região. As autoridades locais teriam estipulado uma alta recompensa não pela sua captura, mas sim pela sua morte - até o último dos “homens-lobo”. Qual seria a reação de personagens “bons” e “ordeiros” a esse tipo de recompensa? Ou, em suas culturas, o assassinato daqueles que já estão mortos não é considerado como um ato mau? 

Por outro lado, o fato de os bandidos terem se tornado um alvo fácil poderia transformá-los em homens desesperados, e, portanto, muito perigosos. Imagine-se um bando de ladrões que luta, a cada tentativa de saque, não só pela aquisição de mercadorias e pilhagens, mas também pela própria vida, já que uma eventual captura resultaria certamente em suas mortes. Eles se esconderiam em locais ermos e distantes, e evitariam ao máximo o confronto com grupos que não fossem extremamente fáceis de ser derrotados. Não seria fácil para um grupo de aventureiros famosos e de boa reputação encontrar os wargus, pois, para eles, fugir faria muito mais sentido.

Uma série de outras questões surge da circunstância de os bandidos serem “sem-paz”. Com quem eles comerciariam? Quem lhes forneceria armas e suprimentos? Quem os abrigaria e protegeria? Ora, em uma sociedade na qual vigora a idéia de Fried, dificilmente os bandidos teriam a simpatia de qualquer grupo social, já que, em verdade, eles são uma fonte de constante terror e problemas. Nem mesmo outros ladrões, que ainda não houvessem sido declarados friedlos, nem mesmo camponeses explorados e tiranizados, ousariam compactuar com os bandidos, seja pelo medo, seja pelo risco de serem eles próprios também incluídos entre os “sem-paz”. Até mesmo figuras extremamente malévolas, ambiciosas e corruptas teriam excelentes motivos para não apoiarem os wargus. Talvez forças estrangeiras e beligerantes os amparassem. Mas o mais provável é que eles não contassem com a ajuda de ninguém, e dependessem sempre de suas pilhagens para sobreviver e prosperar.

Olhando a questão sob outro ângulo, as atividades comumente empreendidas por um grupo de aventureiros muitas vezes aproximam-se bastante da criminalidade. Profanar tumbas antigas, matar outros guerreiros em combate, emergir de castelos ermos carregados de tesouros, são todos atos que facilmente podem sem interpretados como crimes - principalmente se os aventureiros forem pouco conhecidos, tenham má reputação ou inimigos poderosos. Ora, e se os personagens fossem eles próprios declarados wargus? Certamente, tal grupo estaria metido em uma bela enrascada ...

Assim como os bandidos, um grupo de aventureiros julgados como friedlos viveria sob constante risco de morte. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer momento, dentro da região onde eles foram condenados, poderia tentar matá-los sem temer represálias legais. Em verdade, haveria um estímulo mesmo, quiçá financeiro, para o assassinato dos membros do grupo. Sua vida seria uma longa e angustiante fuga em paranóia. Isso sem contar com uma série de outros problemas, na medida em que os personagens não encontrariam abrigo seguro, não seriam ajudados pelas pessoas, não teriam nem como comprar nem como vender mercadorias, armas ou comida, e assim por diante.

Qual seria o comportamento dos aventureiros diante de tal quadro? Eles tentariam limpar seus nomes? Mas, como? E, isso é possível dentro das leis do Reino? Ou, ainda, eles foram erroneamente condenados como friedlos, ou verdadeiramente cometeram um crime que justificasse a condenação, ainda que inconscientemente? Talvez fosse mais fácil simplesmente fugir do país. Há uma quantidade ilimitada de situações de tensão que podem surgir da condição de “foras-da-lei matáveis” dos personagens. Campanhas completas podem se embasar nesse problema.

Como reagiria um paladino subitamente condenado a ser wargus?

Por fim, uma das formas mais interessantes de se utilizar a idéia é construir a figura do wargus solitário, do vilão extremamente complexo e letal. Um monstro completamente louco e demente, cujo grau de maldade é tão alto que as lendas o aproximam do lobo. Ele é o verdadeiro lobo do homem - que, por não pertencer mais à comunidade dos homens, a ela ameaça e dela se alimenta. Tal personagem poderia ser vista pelas pessoas comuns até mesmo como um verdadeiro lobisomem - monstro que, em um aventura de RPG tradicional, ele certamente também poderia sê-lo.

O wargus solitário pode facilmente ser o némesis, o arqui-inimigo do grupo de aventureiros. Por se tratar de um vilão que age solitariamente, ele tentaria constantemente atrapalhar os personagens, prejudicar seus interesses e vilipendiar seus entes queridos e propriedades. Extremamente perigoso, encontrá-lo seria não só difícil, como, provavelmente, indesejável. E, se bem conduzido interpretativamente, o homem-lobo permaneceria por muitas sessões como um inimigo odiado, temido, e inesquecível.
 

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

As Crônicas de Tallyar - #1

Atualmente, tenho mestrado uma campanha PBEM - ou seja, uma aventura jogada por e-mail -, chamada "As Crônicas de Tallyar". Futuramente escreverei sobre jogar RPG por e-mail, mas, por hora, apresento a aventura em si, que é compartilhada por quatro outros jogadores.

"As Crônicas de Tallyar" são uma campanha narrativa de fantasia, livremente inspirada na Hungria Medieval. São utilizadas as regras do antigo ADnD 2nd Edition, com diversas alterações caseiras. Para embasar o jogo, desenvolvi diversos textos de apoio, que serão apresentados aos poucos neste blog.

A primeira seqüência de textos relaciona-se à História de Tallyar, o Reino principal onde se desenvolve a campanha. Admito que tenho grande dificuldade de mestrar uma partida sem ter pré-definido alguns elementos básicos da História do cenário no qual a estória se desenrolará.

Não se trata, porém, de nada irremediavelmente fixo e inflexível. Pelo contrário, a História termina servindo muito mais como parâmetro para aventuras futuras e linhas de enredo, facilitando a ambientalização e caracterização geral do cenário.

Por fim, antes de passar propriamente ao texto, consigno que não se trata de nada revolucionário. Pelo contrário, a idéia foi criar um cenário de campanha embasado em alguns elementos clássicos de fantasia medieval, com algumas pitadas de horror gótico em espírito similar ao de "Ravenloft".



As Guerras Inferiores e o Nascimento de Tallyar


O nascimento do Reino de Tallyar, há aproximadamente quatrocentos e cinqüenta anos, pode ser considerado como uma das principais conseqüências das Guerras Inferiores que assolaram o continente de Prystina – nas quais hordas gigantescas de criaturas das trevas subterrâneas atacaram brutalmente todos os reinos, povos e regiões que estavam ao alcance dos vastos túneis, complexos e galerias que rasgam pelo interior profundo do continente.

As cidadelas e as fortalezas anãs, a grande maioria delas fincadas no interior da terra, foram as que mais sofreram com a Guerra, principalmente nos estágios iniciais da invasão, quando o grosso dos milhões e milhões de inimigos surgiram como quê saídos do nada. Centenas de cidades anãs pereceram em questão de semanas, e as que resistiram tornaram-se refúgio para os sobreviventes de outras regiões destruídas pela fúria dos invasores.

As terras que se compreendem entre a Floresta Alta a oeste e sudoeste, o rio Bronéas ao sul – desaguando no mar Tyrrio a leste, por entre as Escarpas Tyrrias – e os Vales dos Lobos, que se estendem ao norte até o rio Crynes, e a nordeste até se perderem, pertenciam, solo e subsolo, à antiga Federação dos Clãs do Centro, um antigo país anão de tradição imemorial, fruto da aliança de sete poderosos clãs de anões dos morros.

A Guerra foi terrível para a Federação – após dois meses de conflito, apenas duas das setes fortalezas subterrâneas ainda resistiam aos assaltos das hostes invasoras. Refugiados oriundos de todos os demais clãs se concentravam em Ballia e Gamst, os últimos bastiões de resistência da Federação. Em uma ação desesperada, dois Earls foram escoltados, pela superfície, de Ballia para Gamst, onde aguardavam os outros três Earls sobreviventes.

Após um Conselho Federal tenso e curto, decidiu-se, por três votos a dois, que a única esperança de sobrevivência era pedir o auxílio de outros povos – pois ambas as fortalezas restantes estavam já à beira do colapso. De início, procurou-se a ajuda do Principado de Quelfas, centro do pequeno, mas altivo, Reino Élfico de Billandra, que prosperava no centro da Floresta Alta. Os elfos ainda não haviam experimentado os rigores da Guerra, mas, preocupados em se fortalecerem para eventuais ataques, recusaram o pedido dos anões.

A delegação anã sabia que não podia retornar de mãos vazias para Ballia e Gamst, sob pena de extinção de seu povo. Desesperados, penetraram nas vastas planícies e florestas de Allten, terras sob domínio de humanos, pouco conhecidos dos anões da Federação. As lendas não explicam com exatidão o quê aconteceu, mas sabe-se que a Casa de Tallyar, poderosa e cercada de diversas casas menores, aceitou auxiliar os anões na Guerra em troca da superfície das terras que pertenciam à Federação.

A contragosto, a delegação anã aceitou a proposta da Casa de Tallyar, já temerosa de que as fortalezas houvessem sucumbido. Não haviam. Os humanos estabeleceram-se em um castelo improvisado de madeira, e imediatamente partiram rumo ao subterrâneo, para auxiliar seus novos aliados. A desconfiança inicial dos anões foi paulatinamente arrefecendo, conforme os guerreiros humanos honravam sua promessa – a despeito do novo alento, entretanto, não puderam os anões deixar de odiar aos elfos, que haviam recusado ajuda no momento de maior necessidade ...

A Guerra prolongou-se por mais de vinte anos, nos quais a cidadela de Gamst caiu e foi completamente saqueada pelos seres das trevas. A batalha decisiva, que resolveu o destino de toda Prystina, deu-se aos portões de ferro de Ballia – lá, o Duque Andor Tallyar, e os dois últimos Earls anões, derrotaram, ao custo de suas vidas, o grosso das forças invasoras restantes – e libertaram os povos de Prystina de um futuro de escravidão horrenda na escuridão.

Ao final, a Casa de Tallyar estava sem líder, assim como os anões, que haviam perdido todos os seus Earls e herdeiros. Os poucos anões restantes, apesar da desconfiança inicial, tornaram-se amigos e camaradas de guerra dos humanos, não os vendo mais com temor ou antipatia. Após longas deliberações, humanos e anões concordaram com a fundação de um país conjunto, cujo líder seria eleito em uma Assembléia de Casas humanas e anãs.

Pequenas famílias anãs assumiram as pretensões dos clãs destruídos, e, na longa Assembléia da Meia Noite, elegeu-se a Casa dos Bálazs – humanos que haviam demonstrado enorme bravura e coragem durante a Guerra – para governarem o Arquiducado de Tallyar, nomeado em homenagem ao Duque Andor e seu sacrifício para a defesa de Ballia.