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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Algumas reflexões paralelas: Parte III.

* Referência: Algumas reflexões paralelas: Parte II.

No artigo anterior foram discutidos os MMORPG. Permaneceremos nesse assunto hoje também. Há alguma esperança para os MMORPG se aproximarem do RPG? E, isso é possível, ou mesmo desejável?

O primeiro MMORPG comercial que joguei foi o World of Warcraft. No começo, foi maravilhoso. Creio que levei um personagem até o 40º nível, e outro ao 25º. E nunca mais tive vontade para jogá-lo. Joguei ainda City of Heroes por dois dias, Guild Wars por três dias, Archlord por uns dois meses, e Warhammer Online por uns dois dias. Era simplesmente chato jogá-los: qualquer um deles, até mesmo porquê eram idênticos.
    
Meus momentos favoritos eram quando não havia ninguém perto – ou seja, quando o jogo deixava de ser um MMORPG. Eu deveria estar jogando Nethack, ou Diablo.
    
Antes de jogar o World of Warcraft, havia jogado por um tempo um pequeno MMORPG gratuito, no estilão Zelda, chamado Vasquaria. Creio que menos de duzentos jogadores compartilhavam o mundo. Havia um grupo de administradores que tentavam bravamente construir uma estória para o ambiente – e, aos trancos e barrancos, conseguiam. Nos três meses que joguei, vi mais estória elaborada pelos próprios jogadores do quê em qualquer MMORPG comercial com o qual tenha tido contato - e, ainda assim, não era nada de qualidade realmente superior. Mas, de todo modo, bem melhor.
    
Minha tese é de que um MMORPG, para se aproximar do RPG, teria que ter menos jogadores. Um máximo de cinqüenta, talvez cem. E mestres, para conduzir a estória e orientar os jogadores sobre o quê esperar, como reagir - não para pré-determinar caminhos e atitudes, claro, mas apenas para servir ao jogo como os mestres de mesa já fazem. Evidentemente, isso me parece comercialmente impossível e inviável, tanto em termos financeiros quanto em relação ao custo de bandwidth para viabilizar a idéia.
    
A tarefa, portanto, ficaria para pequenos projetos gratuitos, que se voltariam para construir jogos de mMORPG (minor multiplayer online RPG) nos quais se desse primazia à construção de uma boa estória, para e com a ajuda dos jogadores envolvidos. Lamentavelmente, porém, os pequenos projetos de MMORPG que existem são profundamente influenciados pelos grandes MMORPG comerciais, e, via de regra, não passam de cópias mais pobres dos resultados obtidos pelas grandes companhias.
    
Não haveria problemas maiores, na existência dos MMORPG, se as coisas ficassem como estão.
    
Mas os MMORPG estão começando a influenciar os RPG tradicionais. Isso é ruim. Isso é péssimo. Isso é muito, mas muito, ruim.
    
E, o pior: os MMORPG conseguiram influenciar o principal RPG que existe.
    
No próximo artigo, discutiremos a influência dos MMORPG sobre a Quarta Edição do Dungeons and Dragons - as vantagens, e as grandes desvantagens de tal influência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Algumas reflexões paralelas – Parte II.

Conclui-se que os RPG de computador não são RPG de fato. Mas, e os MMORPG? Jogos tais como World of Warcraft, City of Heroes, Everquest, Warhammer Online, são RPG? Sinceramente, eles são menos RPG ainda do que os RPG de computador. Isso porquê o vínculo que eles possuem com o RPG, ou seja, o aspecto teatral vinculado à construção de uma boa estória, é virtualmente inexistente nos MMORPG.

Explico-me. É impossível para a companhia que desenvolve um MMORPG manter o controle sobre a estória do jogo. A Blizzard tenta: faz expansões para o World of Warcraft, avança a estória do cenário, altera as localizações e heróis do jogo. Mas ela controla tão somente a macro-estória do jogo. A micro-estória, aquela que a acontece a cada dia, a cada segundo, lhe escapa completamente. Essa micro-estória pertence aos jogadores.

E ela é uma completa porcaria. Ou melhor, ela simplesmente não existe.

Isso acontece porquê se é difícil fazer quatro pessoas concordarem em construir uma boa estória juntos, conseguir o mesmo feito com a quantidade de pessoas que habitam os MMORPG é totalmente impossível. Se por um lado há a estória feita pela companhia, e a estória consignada nas quests e nas falas dos NPCs, e nos próprios locais do mundo construído eletronicamente, por outro lado há sempre uma quantidade imensa de jogadores construindo péssimas estórias, destruindo as estórias dos outros, ou simplesmente não fazendo absolutamente nada que remotamente lembre uma estória.

Os vínculos dos MMORPG com o aspecto teatral do RPG, portanto, ficam seriamente prejudicados. Sério: como construir uma estória no magnífico mundo de Azeroth quando passa cavalgando ao seu lado o poderoso Warlock Undead conhecido como XXXgamerZZ12764?
   
E onde está graça, para quem gosta de RPG, dos MMORPG? Para alguns, em seu lado War Game, similar ao Rogue e ao Nethack - extremamente bem desenvolvido, sem dúvida alguma. Para outros, na estória que, a despeito de tudo, pode ser extraída das quests e dos NPCs. Para a grande maioria dos jogadores, porém, em motivos que não guardam praticamente nenhuma relação com RPG. De toda forma, acredite-me, essa graça tende a acabar rápido. Em algum tempo, torna-se insuportável.
    
É verdade: no começo, parecerá que o MMORPG é tudo que você sempre sonhou. Você não conseguirá largá-lo. Mas, se seu interesse nele é o mesmo interesse que você tem em jogar RPG, ou seja, se você está tentando substituir o RPG pelo MMORPG, logo essa graça desaparecerá: tais jogos simplesmente não tem vínculo o suficiente com o aspecto teatral do jogo para se sustentarem a longo prazo. Talvez eles ainda tenham graça por conta de seu lado War Game, ou pelos amigos da sua guilda – mas, pode anotar, você logo estará irritado de ter que ler o quê os NPCs dizem, ou de interagir com o mundo fora da parte que lhe interessa.
   
Os MMORPG, assim como os RPG de computador, não são verdadeiros RPG. Por algum motivo, nesse caso, isso me parece demeritório. Não sei explicar. Talvez porquê eles tenham uma falsa aparência muito forte de serem verdadeiros RPG, mas não são. Difícil explicar, realmente.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Algumas reflexões paralelas - Parte I.


A análise da anatomia do termo RPG leva a uma pergunta curiosa: os RPG de computador são verdadeiros RPG? A resposta parece ser, a princípio, não. Não que eles não sejam grandes jogos, pelo contrário: Baldur´s Gate, Dark Sun, Dungeon Master, Eye of the Beholder, Ultima, Phantasy Star, etc., são todos jogos espetaculares. Mas falta-lhes o elemento teatral e interpretativo que compõe a estrutura do RPG – a grande maioria desses jogos oferece ao jogador uma estória fantástica, excelente, mas virtualmente nenhuma possibilidade interpretativa.

Seriam War Games, então? Difícil dizer. Creio que prefiro pensar neles como "adventures" com estatísticas e simulações aleatórias de números, ou, cunhando uma expressão desconhecida, “talegames”. Uma segunda espécie de jogos de RPG de computador são “simples” simulações mecânicas de lutas e combates, seja em uma dungeon, ou em qualquer outro cenário – esses sim, mais próximos dos War Games. Como por exemplo são Rogue, Nethack, Angband e jogos do gênero. Os Diablo seriam possivelmente um misto entre os dois estilos – o primeiro, mais próximo da simulação, o segundo, pendendo igualmente para a simulação e para a “tale”.

Alguns jogos de RPG para computador, entretanto, oferecem sistemas interpretativos básicos, que inclusive alteram o resultado final da estória contada no jogo. Cito, de cabeça, Torments, os Knight of the Old Republic, Jade Empire, e o recente Dragon Age – existem outros, claro. De fato, tais sistemas aproximam o jogo um pouco mais do quê seria um RPG. Ainda assim, não acredito que isso os torne verdadeiros RPG – porque as escolhas interpretativas não são livres: elas continuam pré-determinadas pela programação do jogo, e não podem ser criadas pelo jogador.

Evidentemente, o fato de não poderem ser classificados como RPG não é nenhum demérito para esses jogos, que, como dito, muitas vezes são ótimos. Pensando bem, talvez seja melhor simplesmente abandonar as idéias apresentadas e pensar neles simplesmente como RPG de computador – não são RPG, mas a terminologia serve para identificá-los.

Então, porquê será que muitas vezes os jogadores de RPG amam profundamente os RPG de computador, e se sentem plenamente satisfeitos em jogá-los? A resposta é simples. Em relação a jogos do estilo Rogue e Nethack, porquê War Games também são muito divertidos – e essa espécie de derivação também o é. Os RPG de computador do primeiro gênero, por outro lado, quando são de boa qualidade, trazem algo que é uma das finalidades do RPG, e que, infelizmente, é muito difícil de ser conseguido: uma boa estória, contada de forma agradável e emocionante.

Ou seja, se por um lado os RPG de computador estão desvinculados do aspecto teatral do RPG em relação à questão da interpretação, por outro lado dependem, e muito, da parcela teatral que resulta na construção de uma boa estória. A forma pela qual os RPG criam uma ambientação adequada, com personagens e tramas extremamente bem pensadas e elaboradas, é quase impossível de ser simulada em um RPG normal – isso porque seus criadores tem a possibilidade, e o dever, de manter um rigoroso controle de qualidade sobre a estória produzida, circunstância que facilita a construção de aventuras realmente memoráveis para ser jogadas.

Quase impossível, mas não impossível. Tal tema ainda será discutido, e constitui um dos principais problemas do jogo de RPG.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Segunda conseqüência da anatomia.

* Referência: Primeira conseqüência da anatomia - Parte II.

Os jogadores decidiram qual sistema querem usar, adaptaram suas regras a seus gostos pessoais, eliminando algumas e acrescentando outras, e definiram um cenário para campanha. Todos desejam um jogo pleno, a construção de uma boa estória com excelentes personagens decentemente interpretados. Muito bem. Em assim sendo, então, respeitem o quê vocês escolheram. Tais escolhas estabeleceram quais são os parâmetros da raiz teatral do RPG que devem ser seguidos para aquela aventura – sigam-nas.

O que se quer dizer aqui é que a forma de construir a estória e de se interpretar os personagens deve estar ajustada e fazer sentido frente ao tipo de aventura que os jogadores desejaram construir. Pode acontecer, claro, que os jogadores percebam que queriam construir um tipo de estória diferente, e simplesmente mudem o estilo adotado. Ótimo. Mas, se não for esse o caso, a falta de sintonia entre a efetiva atuação dos jogadores e os parâmetros teatrais pré-definidos será uma fonte constante de frustração para todos.

Vamos a alguns exemplos. Os personagens escolheram fazer uma campanha de natureza pós-apocalíptica, e escolheram jogar em Dark Sun. Tal cenário não tem espaços para piadinhas constantes, nem para personagens superconfiantes que não temem pela própria sobrevivência. Se todos os jogadores interpretarem personagens engraçadinhos que fazem gracinhas o tempo inteiro, estarão perdendo grande parte da qualidade narrativa e da espécie de diversão que uma estória em Dark Sun pode ter. Ah, mas nós estamos nos divertindo, diriam os jogadores. Muito bem – mas poderiam estar se divertindo muito mais, em algum outro cenário onde as piadinhas fizessem sentido narrativo. Até uma caricatura de Dark Sun, talvez – mas uma caricatura, não o próprio Dark Sun.

Não que não possa haver humor em Dark Sun – claro que pode. Mas é necessário que faça sentido,  que seja circunstancial, e não que se torne a marca principal da aventura jogada.   

O mesmo é válido para a arrogância em relação à própria sobrevivência. Em Dark Sun, um personagem que resolve loucamente entrar no Deserto sem suprimentos, simplesmente porque ele tem 89 níveis e quinze classes de prestígio, vai morrer. Bom, pelo menos deveria morrer. Athas, o mundo da campanha de Dark Sun, não é um lugar para esse tipo de gente. Um dos primeiros aspectos do comprometimento dos jogadores com o jogo está vinculado precisamente ao respeito à exigências teatrais do tipo de estória que foi escolhida. Não importa quão poderoso o Gladiador Mul seja – ele não vai entrar no Deserto sozinho e nu simplesmente porquê deu na telha.

Os exemplos de personagens anacrônicos e deslocados são infinitos. Um elfo negro cego ninja no Reino de Cormyr, em Forgotten Realms. Um Monge Orc com rabo de gato, em qualquer mundo fora do DiscWorld. Um personagem em Call of Ctulhu que, ao invés de gritar de pavor diante de um vampiro, saca seu revólver. Um mercenário espacial que não teme um Sith Lord ...

Não existem cenários bons e ruins, formas de jogar e interpretar boas ou ruins. O que existe, sempre, é coerência. Um dos principais fatores que determinam a existência ou não da diversão que deflui do jogo de RPG, da construção da estória e da interpretação dos personagens, está diretamente vinculado ao quanto os jogadores estão se dedicando para que todos esses fatores estejam adequadamente ajustados ao tipo de estória e ao cenário que foi previamente escolhido. E, se descobrirem que aquilo não era bem o quê queriam, mudem ... mas não insistam em interpretar Joey Lightning, o Elfo Pistoleiro, na Terra Média.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Primeira conseqüência da anatomia - Parte II.

* Referência: Primeira conseqüência da anatomia - Parte I.

Pois bem. O grupo concluiu que realmente quer jogar RPG: todos se comprometeram a dar o máximo de si em busca da construção de uma boa estória, a interpretar adequadamente seus personagens e a seguir as regras adotadas para a realização dos dois primeiros objetivos. Volta-se, então, para as duas primeiras perguntas apresentadas anteriormente: o sistema utilizado satisfaz os jogadores, em relação à suas regras e às suas exigências interpretativas? e, existe algum outro sistema que seja mais adequado a como os jogadores pensam, e quais estórias eles gostariam de construir?
    
Vamos a alguns exemplos. Se os jogadores desejam jogar uma aventura fantástica em um mundo medieval, é muito mais fácil eles tentarem construir sua estória com base em alguma das encarnações de Dungeons and Dragons do quê com as regras do World of Darkness. Pode ser, porém, que eles desejem um sistema mais realista, com regras mais densas: GURPS poderia ser a solução.
  
Por outro lado, pode ser que os jogadores queiram uma aventura sci-fi. Tentar fazer isso com o Dungeons and Dragons dificilmente dará certo (pensando tanto no sucesso, quanto no insucesso, desse tipo de tentativa, lembro-me do antigo Spelljammer). Há sistemas muito melhores para isso, como o Star Wars D6, ou Mechwarrior, se o grupo gostar de robôs gigantes.
 
A questão aqui é que tentar forçar determinados sistemas a fazer coisas que eles não dão conta, ou melhor, para o quê eles não foram concebidos, dificilmente resultará em uma experiência de jogo satisfatória. Não adianta, seu guerreiro medieval em GURPS não vai derrotar sozinho uma horda de trezentos goblins, como seu guerreiro medieval em Dungeons and Dragons dá conta. Tampouco espere, pelo menos na maioria das vezes, que os grupos de heróis em Dungeons and Dragons tenham medo de morrer porquê apareceram alguns dragões.
  
Os jogadores, portanto, devem refletir sobre isso. Às vezes, algumas simples adaptações caseiras tornam o jogo ajustado ao estilo favorito do grupo – ou melhor, ao estilo desejado para aquela estória específica, para aquela aventura que está para começar. Em outros casos, porém, é melhor procurar um sistema inteiramente novo e diferente, melhor ajustado ao quê se deseja e pretende.
  
O mesmo raciocínio é válido para módulos, mundos e cenários de campanha. Se o grupo não deseja que magia e tecnologia andem juntas, não tentarão fazer um jogo no universo de Eberron, ou do próprio Star Wars. Se os jogadores não querem uma estória repleta de magia o tempo inteiro, não jogarão em Forgotten Realms. E por assim por diante. O importante é que os jogadores, pelo menos o mestre, nem que seja só ele, pense sobre o tipo de estória que deseje construir, e faça uma escolha consciente sobre o sistema e o cenário que será utilizado, com base justamente no que pretende fazer.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Primeira conseqüência da anatomia - Parte I.

* Referência: Alguns exemplos da questão da anatomia.

Qualquer que seja o sistema adotado por um determinado grupo de jogadores, eles devem se fazer duas perguntas simples e interconectadas: "O sistema que estamos usando nos satisfaz em relação à sua forma de encarar e balancear as regras e a interpretação?"; e, "Existe algum outro sistema, mais ajustado aos nossos desejos, ou nós podemos fazer alguma adaptação no sistema que usamos, que vá torná-lo mais adequado ao que queremos?"

Mas, há um adiantamento aqui. Antes de o grupo se perguntar isso, deveria refletir sobre a primeira questão que qualquer um que deseje jogar RPG deve se fazer: "Eu realmente quero jogar RPG?"
  
Muita gente diz que RPG é diversão – se todos estiverem se divertindo então está tudo bem, e o jogo está bom. Sobre essa questão, é interessante dar uma olhada na opinião expressada em "Delta`s D&D Hotspot". De todo modo, essa idéia é uma verdade apenas parcial, e dificilmente generalizável. Conforme analisado anteriormente, o RPG está vinculado aos aspectos lúdico e teatral da experiência humana. A diversão do RPG deve derivar da execução satisfatória e combinada desses dois aspectos inerentes à essa atividade.
  
Essa espécie de diversão não é fácil de se conseguir: ela envolve a dedicação e o compromisso, de todos os envolvidos, em interpretar seus papéis, respeitar as regras acordadas, e construir uma estória conjunta que seja satisfatória para o grupo inteiro. Isso não é fácil de se conseguir, e exige um tremendo esforço, tanto dos jogadores, quanto do mestre. Esse esforço, evidentemente, só compensa se os envolvidos realmente sentirem prazer e se divertirem com o resultado final da sua dedicação.
  
Se um grupo se diverte ao se reunir porque conta piadas, troca conversas, compra uma pizza, mas praticamente não joga quase nada - ou se o jogo sai truncado, sem nenhuma estória claramente construída e interessante para o grupo -, então, possivelmente, era melhor fazer outra coisa. Seria mais interessante jogar videogame, ou futebol, ou xadrez, ou simplesmente sair para comer algo e conversar. Acreditem, nesse caso, o RPG está atrapalhando a diversão, que poderia ser bem mais intensa sem a presença do jogo.
  
Eu digo isso por experiência própria, em face de muitas sessões de jogo nas quais o divertido foi encontrar os amigos, bater papo, trocar idéias, mas não, propriamente, jogar RPG. Tais sessões costumam ser chatas, vagarosas e pouco originais – quando não se resumem, dependendo do sistema, a combate depois de combate depois de combate. Jogar RPG desse modo é jogar pela metade apenas.
  
Há uma diferença gritante entre a diversão que é conseguida em um sessão de RPG, mas externa ao jogo, e a diversão que é conseguida por se jogar RPG. Essa diversão compensa o esforço que o jogo exige – e é o que os interessados em RPG deveriam buscar constantemente.
  
Nesse sentido, digo que RPG não é para todas as pessoas. Não que o RPG tenha uma aura sacra ou coisa do gênero – mas sim porque não são todas as pessoas que terão a disposição de se comprometer com o jogo. Elas estarão se divertindo muito menos jogando RPG do que poderiam estar se divertindo fazendo outra coisa. E, pior: estar-se-ão frustrando. A experiência ideal de RPG envolve pessoas dispostas a se comprometer verdadeiramente com as regras, com a interpretação e com a construção de uma boa estória – e, ainda assim, muitas vezes tais pessoas falharão – e ficarão bastante frustradas. Tal tema ainda será debatido futuramente.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Alguns exemplos da questão da anatomia.

* Referência: Anatomia do RPG.

Alguns exemplos simples, para quem conhece um pouco da História do RPG, revelam diversas possibilidades de harmonizar regras com interpretação, e que foram, em maior ou menor medida, bem sucedidas.

Os primeiros jogos, ainda bastante presos à sua origem nos War Games, tendiam a focar nas regras, e deixar a interpretação quase que inteiramente de lado. Dungeons and Dragons, Tunnells and Trolls, Rolemaster, são todos jogos que se amparavam muito mais nas regras do que na interpretação em si. O que não quer dizer, necessariamente, que suas regras fossem complicadas, ou excessivas – mas apenas que o foco do sistema eram as regras, e não a interpretação. De certo modo, muitas vezes é a simplicidade relativa das regras que afastam tais sistemas dos War Games, possivelmente abrindo espaço para a introdução paulatina de elementos teatrais no jogo.

Sistemas de um segundo momento, como por exemplo a versão final do Dungeons and Dragons compilada na Rules Cyclopedia, e as duas primeiras edições do Advanced Dungeons and Dragons, revelam uma crescente preocupação em dar maior espaço à interpretação, em equilíbrio com as regras. Um dos ápices de tal estilo de encarar a questão foi a Segunda Edição do Advanced Dungeons and Dragons, na qual o texto revelava uma tentativa consciente de equilibrar o papel das regras com o da interpretação, dando importância praticamente igual a ambas.

Outros sistemas mantiveram o foco nas regras, aprofundando seu número e complexidade cada vez mais, ainda que a tendência de se dar maior importância à interpretação fosse muito difícil de ser ignorada. O principal exemplo nosso conhecido é o GURPS, um verdadeiro labirinto de regras e mais regras sobre regras, formando um sólido sistema de jogo.

Eventualmente a tendência inversa também surgiu, ou seja, foram criados sistemas nos quais a interpretação exercia papel muito maior do quê as regras. Os livros do World of Darkness, deixando de lado seus suplementos, são bons exemplos dessa perspectiva de harmonização: o fundamental do sistema está na interpretação de papéis, e não nas regras mecânicas que são apresentadas para viabilizar essa interpretação.

Assim como sistemas focados em regras podiam ser construídos com regras mais ou menos densas e complexas, os sistemas focados em interpretação podiam ser delineados com exigências interpretativas mais ou menos densas. No World of Darkness, por exemplo, as exigências interpretativas sempre foram a marca e a preocupação principal do sistema. Um sistema como Paranóia, que também é muito focado em interpretação, por outro lado, tem exigências interpretativas bem menos densas.

Pode-se concluir, portanto, que a configuração de um sistema depende dos seguintes fatores: o quanto ele é focado em regras ou em interpretação – ou em ambos; o quanto ele tem regras simples ou complexas; e o quanto ele tem exigências interpretativas mais ou menos densas.

Existirão, portanto: sistemas com foco em regras; sistemas com foco em interpretação; sistemas com foco em ambos. E ainda: sistemas com regras complexas; sistemas com regras simples; e sistemas com regras intermediárias. E por fim: sistemas com exigências interpretativas densas; sistemas com exigências interpretativas leves; e sistemas com exigências interpretativas intermediárias.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Anatomia do RPG

anatomia
a.na.to.mi.a
sf (gr anatome+ia1) 1 Disposição, forma e situação dos órgãos de um ser vivo. 2 Compleição, aparência somática: A forte anatomia do atleta. 3 Arte de dissecar os corpos organizados a fim de estudar a estrutura dos órgãos e suas relações. 4 Tratado com as regras dessa arte ou os resultados de tal estudo. 5 Designa partes de um corpo dissecado, conservadas, ou a imitação dessas partes em material adequado, para fins didáticos. 6 Dissecção, autópsia.7 fig Análise minuciosa ou exaustiva de uma obra qualquer, material ou de criação artística: O crítico fez a anatomia do romance.





A sigla RPG, como qualquer um que tenha chegado até aqui certamente sabe, significa “roleplaying game”, ou, em outras palavras, jogo de interpretação de papéis. Uma avaliação literal do termo implicaria em traduzir o “playing” para brincando, ou, melhor ainda, jogando. Ter-se-ia, então, um "jogo de jogar papéis". Revolvem no núcleo do “roleplaying”, então, dois aspectos centrais: o “jogar” e o “papel”.

O fato de se “jogar” em um RPG separa tal atividade do teatro – se não fosse o aspecto da existência de regras, e de uma seqüência de possibilidades de resolução mecânica de situações e de conflitos, o RPG se resumiria à construção caseira de peças teatrais, condenadas a jamais serem apresentadas ao público. Esse aspecto do RPG está diretamente vinculado à sua origem em "War Games", nos quais as regras para resolução de lutas e batalhas são o centro do sistema de jogo.

É curioso notar, portanto, que o RPG não surgiu espontaneamente do teatro, apenas, mas dependeu dos jogos de guerra para receber um embasamento mecânico de regras. 

Se o “jogar” afasta o RPG do teatro, o  “papel” o aproxima novamente. Na medida em que se “joga com um papel”, fica evidente que, a despeito da existência de regras mecânicas para a solução de situações e de conflitos, há um papel a ser interpretado. Esse segundo aspecto, portanto, vincula o RPG às peças teatrais. Uma peça de teatro, a princípio, encontra limites tão somente na imaginação do seu autor ou autores - ainda que existam mecanismos teóricos e críticos para se julgar se uma peça é boa ou ruim.

O jogo, portanto, vive e se desenvolve através de uma tensão constante entre “jogar” e “interpretar” o papel – isso porque se tratam de atividades antagônicas. A construção e a interpretação de papéis em si não encontra nem limites nem regras, pois é livremente vinculada à imaginação; mas a existência das regras mecânicas herdadas dos War Games é um limitador presente e constante de quais papéis podem ser construídos, de como tais papéis devem ser interpretados e de como a atuação pode interferir, de várias formas possíveis, na estória que está sendo construída no jogo.

Qualquer conjunto de regras de RPG, de qualquer sistema que exista, sempre servirá, em maior ou menor escala, como um limitador da interpretação de papéis – porque as regras regulam a forma dessa atuação. Evidentemente, diferentes sistemas e estilos de jogo propõem relações diferentes entre o quanto a interpretação é livre, e o quanto ela é presa por regras. Todas as aventuras e estórias de RPG, entretanto, se amparam em algum ponto intermediário entre jogo e papel, regra e interpretação. 

Alguns darão maior liberdade de interpretação. Outros terão regras mais rígidas e inflexíveis. Mas, se um RPG se voltar totalmente para a interpretação, será teatro; e se se voltar totalmente para as regras que integram o sistema de jogo, será War Game. Todo RPG, como incluso nesse gênero de jogo, é uma tentativa de harmonizar regras e interpretações, ou, em outros termos, dar forma à como a imaginação livre pode ser expressada no jogo.

Tal circunstância tem diversas implicações, que serão exploradas nos próximos textos teóricos.