quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Direito e RPG - Parte III.

* Referência: Direito e RPG - Parte II.




A terceira situação jurídica possível decorrente da relação entre o Império Romano e os Reinos Bárbaros que o sucederam é aquela que vigorou após a queda do Império, e a conquista de seus antigos territórios pelos novos Reinos fundados pelos povos bárbaros. Conforme dito inicialmente, surgiu de tal situação um conflito entre o direito invasor, amparado no conceito de “eternalidade” do direito, e o direito imperial antigo, que, apesar de pertencer a um Estado não mais existente, era bem mais complexo que o direito bárbaro, e ainda regia muitas das relações jurídicas que subsistiam no antigo território imperial.

Conquanto o direito bárbaro regulasse os problemas jurídicos que surgiam no interior das sociedades onde ele vigorava, ele não possuía complexidade e detalhamento o suficientes para eficazmente substituir o direito romano nas regiões onde ela havia vigorado por séculos. Por mais que os novos reis pretendessem, talvez, substituir o direito imperial por suas próprias regras, eles não possuíam um arcabouço de leis capaz de realizar, regrar e harmonizar a quantidade de situações e problemas jurídicos que ainda existiam na velha sociedade romana, e que eram ainda adequadamente reguladas pelo direito do Império morto.

Evidentemente, o direito romano que sobreviveu à queda do Império não era mais o refinado arcabouço de legislação e jurisprudência que compunha a cultura jurídica clássica, mas, ainda assim, era bem mais complexo que o simples direito bárbaro. A solução encontrada para o problema, pelos vários reinos bárbaros que se espalharam pela Europa, foi a de lançar mão da idéia de “personalidade” do Direito. Os homens que tinham pai bárbaro estavam submetidos ao direito bárbaro, e os homens que tinham pai de origem romana, estavam submetidos ao antigo direito romano.

Em outros termos, subsistiam, dentro de um mesmo Reino, dois direitos diferentes, válidos de acordo com a origem das pessoas dentro do Reino. Em geral, se havia um conflito jurídico entre um bárbaro e um romano, a questão era julgada à luz do direito do réu. Já as mulheres estavam submetidas ao direito de seus pais ou maridos.

Nesse cenário, todas as questões e problemas propostos anteriormente podem ser utilizados para construir aventuras e campanhas, porque haverá tanto regulações romanas quanto bárbaras. Ademais, a origem de cada um dos personagens passa a ter uma importância ainda maior, na medida em que ela pode muito bem representar o quê o personagem pode ou não fazer dentro de cada região por onde passa.

Em tal situação seria bem possível permitir que um personagem pudesse ter conhecimento sobre os dois sistemas jurídicos vigentes no Reino, já que a convivência entre as duas culturas jurídicas se torna extremamente comum.

Eventualmente, porém, a dicotomia entre direito romano e direito bárbaro desaparece. Conforme os novos reinos bárbaros se consolidam e expandem, as concepções jurídicas romanas vão paulatinamente se mesclando às noções bárbaras, e os Reis dão início a uma nova forma de legislação – amparadas na compilação em textos das leis e regras de suas sociedades bárbaras.

A “personalidade” do direito desaparece, na medida em que as novas leis escritas por ordem dos Reis passam a valer para todos os habitantes do Reino. Em tal circunstância, os personagens se veriam em uma situação parecida com a descrita no primeiro dos artigos, ainda que bem menos complexa. Haveria leis e regras válidas, impostas pelo Estado – mas tais regras seriam simples, esparsas e bem menos presentes que aquelas que existiam no Império.

Sugere-se, por fim, uma espécie de aventura diferente. Nessa última situação, o grupo de aventureiros poderia ser “convocado” ou “contratado” por um Rei para vagar pelo país e recolher os costumes jurídicos das diferentes regiões controladas pelo Estado. O Rei pretende consolidar as leis de seu povo em uma lei escrita, mas precisa que os personagens juntem, chequem e se certifiquem de que nenhum costume importante fique de fora. Tal tipo de aventura teria amplo espaço e oportunidade para intrigas políticas, interações sociais e problemas jurídicos em geral, na medida em que entidades políticas e grupos de interesse desejariam influenciar os personagens de modo que suas leis e costumes fossem levados em consideração, e, os de seus rivais e inimigos, não.



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