sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Direito e RPG - Parte II.

* Referência: Direito e RPG - Parte I.




Conforme debatido no texto anterior da série, os povos bárbaros que coexistiam próximos ao Império Romano embasavam sua visão de mundo jurídica na idéia de “eternalidade” do direito. Para tais culturas, os direitos, as leis e as regras jurídicas são fixos e imutáveis, e, portanto, permanecem eternamente como válidas dentro da sociedade.

Tal perspectiva deriva da noção de que o Direito é algo dado pelos deuses, e não criado pelos homens. Em outros termos, as pessoas podem apreender o Direito, mas jamais inventá-lo, modificá-lo ou aperfeiçoá-lo. Logo, inexistia a idéia de legislação – um rei bárbaro jamais promulgaria suas leis, mas apenas deveria zelar para que o Direito haurido dos deuses fosse respeitado e obedecido.

A principal conseqüências de tal visão de mundo é a de que o direito é visto como algo perfeito – de modo que seu desrespeito eqüivale não só a uma violação da lei, mas também a uma ofensa aos deuses –, que, muitas vezes, é revelado, em situações concretas, pela interferência direta de seus criadores. Daí surgem os chamados ordálios, que são testes físicos para revelar se um homem é inocente ou não (como, por exemplo, atravessar um rio gelado a nado, ou fechar a mão em torno de uma brasa e não se queimar), e os duelos judiciários, que consistiam em lutas armadas entre duas partes litigantes sobre uma questão jurídica.

Uma campanha ambientada em regiões moldadas à luz dos reinos bárbaros limítrofes ao Império Romano, portanto, deveria incorporar essa problemática ao quotidiano social que serve de pano de fundo para o desenvolvimento das aventuras no jogo. Personagens oriundos de tais sociedades enxergariam o Direito e as leis como valores sagrados e extremamente importantes, cuja manutenção poderia muitas vezes ser até mesmo considerada uma obrigação pelos aventureiros.

Em tais cenários, não existiriam leis novas promulgadas pelas autoridades locais, nem profundas interferências políticas nas regras sociais – isso porque o Direito já foi dado pelos deuses, e, portanto, permanece estável ao longo dos anos. Em verdade, um rei, nobre ou governante que pretendesse alterar ou acrescentar leis e regras certamente sofreria enorme oposição, possivelmente até mesmo pelo grupo de aventureiros.

Caso os personagens se vissem envolvidos em problemas jurídicos, poderiam se ver obrigados a duelar até a morte contra seus acusadores, ou, talvez, enfrentar diversos testes perigosos para provar sua inocência. Uma acusação de um crime grave, por exemplo, poderia resultar em uma aventura na qual o grupo se visse compelido a realizar uma missão difícil e importante para deixar claro que os deuses estão a seu favor, revelando, desse modo, que eles são a parte que tem razão.

Por fim, se houver uma convivência entre regiões bárbaras e um vasto império centralizado, certamente as perspectivas diferentes de se enxergar o direito entrarão em confronto e colisão. Os bárbaros não entenderão a lógica das leis imperiais, e os cidadãos do império tampouco compreenderão os estranhos costumes jurídicos dos bárbaros. Seqüências inteiras de aventuras podem ser construídas em torno do choque de perspectivas, tanto com bárbaros dentro do império enrolados com a miríade de leis e regras locais, como homens oriundos do império sendo forçados a provarem sua inocência frente aos costumes jurídicos das sociedades bárbaras.

Uma vez mais parece interessante que alguém do grupo tenha conhecimento sobre as regras jurídicas desses povos. Recomenda-se, entretanto, que um personagem não possa, simultaneamente, conhecer o Direito Imperial e o Direito Bárbaro – tratar-se-iam de visões de mundo muito diferentes para ser igualmente compreendidas por apenas uma pessoa ...

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