quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A Flama e Fogo - Parte II.

* Referência: A Flama e Fogo - Parte I.




“Séculos depois da famosa vingança de Thar`Cot, que eliminou os odiados inimigos do Clã Olho de Cobra, os infinitos clãs das Selvas de Yarth sofreram a terrível ameaça da invasão promovida pela  Satrapia de Komuth. Tal Reino, que dominava as cinco cidadelas das Savanas Douradas, ao norte de Yarth, havia sido forjado pela sanha conquistadora de Kullar, o Diabo do Sol, à época suserano da Fortaleza de Makara.

Kullar, um guerreiro bruto e inculto, sonhava em estender seus domínios por todas as Savanas Douradas, submetendo os povos pacíficos e comerciantes das demais cidadelas a seu controle e vontade absolutos. Seus exércitos e recursos, entretanto, não eram suficientes para derrotar e conquistar todas as cidades da vasta planície. Mas sua ambição era incontrolável e infinita, e ele terminou por vender a seu povo e a si próprio ...

O ignorante tirano buscou o apoio do Império de Gárrya, cujos domínios nefastos se estendiam pelos desertos e pântanos ao norte e a leste das Savanas Douradas. Os sinistros senadores-bruxos gárryos não se importaram nem um pouco em auxiliar Kullar a tornar realidade seus sonhos de conquista, desde que ele aceitasse que seu novo Reino fosse uma Satrapia do Império.

As Satrapias de Gárrya não passam de Estados clientes e vassalos da sombria nação. Tais regiões, apesar de não serem diretamente governadas pelos senadores-bruxos, estão totalmente submetidas à devassidão mística e moral que corrompe o horrendo povo oriundo da Cidade de Gárrya. Kullar, mergulhado na própria arrogância, nem mesmo compreendia o significado do que lhe exigiam seus novos senhores gárryos. Ele apenas desejava ardentemente submeter todas as cidadelas a seu poder, qualquer que fosse o preço que tivesse de pagar.

A Fortaleza de Makara foi inundada por escravos, soldados, suprimentos e bruxos gárryos, todos colocados “à disposição” de Kullar. Fortalecido pelo apoio do gigantesco império do norte, o guerreiro varreu as Savanas Douradas, e, em menos de cinco anos, submeteu todos os homens e mulheres livres da região à servidão. Ele desejava que seus domínios se chamassem de Kullara, mas seus suseranos gárryos exigiram que a Satrapia fosse nomeada “Komuth”; conta-se, pelos campos e pelas matas, que os próprios demônios do submundo assopraram tal nome para os gárryos ...

A corrupção e a maldade que grassam por Gárrya logo estenderam suas garras pela nova Satrapia, e, desde então, não houve mais felicidade nas Savanas Douradas. Quando Kullar já se aproximava de seus cinqüenta anos, emissários vindos do norte trouxeram uma nova exigência: o guerreiro deveria escravizar as tribos atrasadas que habitavam nas Selvas de Yarth, e inundar os mercados gárryos de escravos e escravas vindos do sul.

A incumbência alegrou profundamente o brutal sátrapa. Há muito tempo ele se sentia cansado, vazio e desanimado, odiando cada ordem gárrya que era obrigado a cumprir. Sonhava em se rebelar, mas as guarnições de soldados e bruxos gárryos ocupavam pontos estratégicos nas cinco cidadelas e em toda a savana. Finalmente, porém, recebera uma ordem que teria prazer em cumprir. Exultante, o guerreiro levantou um exército de dez mil homens equipados com armas e armaduras do norte, e penetrou, sem aviso, nas selvas de Yarth,

A invasão foi rápida e brutal. O sucesso era absoluto, assim como havia sido décadas atrás, quando as Savanas foram conquistadas. Clã atrás de clã, tribo atrás de tribo, eram facilmente derrotados, chacinados e escravizados pelo enorme exército de Kullar. A vitória parecia certa - facilitada pela desunião tradicional entre os diversos clãs rivais das selvas.
Quando parecia que em muito pouco tempo as Selvas de Yarth se tornariam território de Komuth, e que as tribos não passariam de chocadeiras de escravos para os gárryos, os clãs que ainda mantinham sua independência decidiram se aliar contra o invasor comum. Guiados pelo grande Chefe Yaggha-Lor, que contava com o apoio dos xamãs e dos feiticeiros das demais tribos, os guerreiros remanescentes formaram uma Assembléia de Guerra à beira das Sagradas Cachoeiras de Yamma.
Enquanto os guerreiros tentavam decidir qual seria a melhor forma de tentar resistir aos invasores, surgiu, como quê saída do nada, a temível Bruxa dos Cinco Olhos. Todos se apavoraram, e não sabiam se fugiam, ou se tentavam expulsá-la. Mas a feiticeira usou palavras de paz, e informou que desejava ensinar aos homens de magia presentes o encanto que permitiria aos clãs derrotarem o exército invasor. Suas palavras trouxeram uma nesga de esperança ao coração dos homens ali reunidos.

Os xamãs, ainda que alguns deles a contra-gosto, acompanharam a Feiticeira para dentro de Yamma-Tal, a maior das cachoeiras, e lá, com ela, permaneceram por três dias e três noites. O quê exatamente aconteceu durante esses dias é um mistério pelas matas - mas sabe-se que a Bruxa ensinou-lhes uma parte do segredo da Flama e Fogo, menos poderosa do quê o lendário encanto que havia sido preparado para Thar`Cot.

Quando os xamãs emergiram de Yamma-Tal, a Bruxa não estava mais entre eles. Yaggha-Lor foi chamado, e lhe explicaram o quê deveria ser feito para que os inimigos do norte fossem derrotados. O Chefe então selecionou mil dos melhores guerreiros que se encontravam na Assembléia - e aceitou somente aqueles que juraram estar prontos para morrer em troca da vitória. Ele era o primeiro entre eles.

Os mil guerreiros se postaram diante dos xamãs, que, com rituais e palavras mágicas, os encantaram e encheram de Flama. O pequeno batalhão, então, partiu ao encontro dos dez mil guerreiros de Kullar, que, naquele momento, divertiam-se incendiando a esmo as selvas. O sátrapa e seus soldados riram do minúsculo exército das selvas, e ofertaram, debochadamente, que permitiriam a todos sobreviver como escravos e prostitutas caso se rendessem. Mas nenhum dos guerreiros sorriu. Pelo contrário, todos cuspiram no chão, em desafio.

A batalha, então, eclodiu. Como loucos, os mil guerreiros liderados por Yaggha-Lor correram furiosamente em carga contra seus inimigos, e batalharam como demônios ferozes. Logo foram cercados - mas lutavam como leões ensandecidos, prontos para morrerem a qualquer instante. Finalmente, começaram a tombar ante a superioridade numérica dos soldados do norte. Mas, para horror de Kullar e de seus soldados, poucos instantes após caírem mortos, os homens das tribos explodiam em fabulosas bolas de fogo incandescente, que incineravam em instantes centenas dos seus outrora numerosos companheiros ...

Apavorados, os soldados de Kullar bateram em retirada. Mas os guerreiros das selvas os perseguiam até a própria morte, quando então levavam para os infernos, com fogo e fúria, os invasores de suas terras. Conta-se que dos dez mil soldados vindos de Komuth, apenas duzentos e três conseguiram voltar em segurança para sua Satrapia. Kullar, humilhado e derrotado, era um deles. Dos heróicos guerreiros que lutaram ao lado de Yaggha-Lor, nenhum sobreviveu - todos se sacrificaram ao fogo para livrar as Selvas de Yarth da loucura da escravidão nas mãos dos gárryos.

Sussura-se, no escuro, que pouco tempo depois de sua derrota Kullar foi convocado para Gárrya - e que, até hoje, seu corpo é mantido vivo por feitiçaria e torturado por demônios e bestas infernais, como punição por ter decepcionado seus senhores do norte ...”

O feitiço da Flama e Fogo Menor, que foi ensinado pela Bruxa dos Cinco Olhos para os xamãs de Yarth, é uma versão mais fraca da magia original que ela havia preparado para possibilitar a vingança de Thar`Cot. Os feiticeiros das selvas, bem menos poderosos que ela, não eram capazes de lidar com forças místicas tão concentradas - ademais, a própria Bruxa não desejava revelar todo o segredo do encanto, mas apenas uma parcela dele suficiente para permitir a vitória dos clãs sobre os soldados de Kullar. Tal feitiço, de todo modo, não se embasa na efetivação de uma vingança - mas sim na consecução de um objetivo. Sua utilização depende de uma série de pré-condições, listadas a seguir:

  1. O feitiço leva pelo menos um dia para ser preparado e lançado sobre o seu alvo, que, necessariamente, deve concordar em ser o recipiente da magia;
  2. Os ingredientes para seu preparo devem custar pelo menos o equivalente a 100 GP por dia;
  3. O feiticeiro que usará a magia deve saber porque o solicitante deseja ser recipiente da magia, e concordar sinceramente com esse objetivo - do contrário, a magia não funcionará;
  4. O feitiço deve estar vinculado à realização de um objetivo, que não necessariamente precisa ser justo - se ele for utilizado em alguém que não possui um forte  desejo de completar determinado objetivo, o recipiente morrerá imediatamente tão logo o seu ritual termine de ser realizado - completamente devorado por uma flama vermelha incandescente nascida de suas próprias entranhas.

Após o recipiente do feitiço ter sido encantado com a Flama e Fogo Menor - que não se revela para  nenhuma espécie de investigação mágica, mas que pode ser detectada por deuses -, ele tem exatamente três meses para dar início à sua tentativa de alcançar seu objetivo. Enquanto o objetivo é executado, se o recipiente do feitiço morrer em combate, em aproximadamente um minuto ele explodirá como uma imensa bola de fogo incandescente, que causará dano equivalente a vinte vezes, em dados, a quantidade de pontos de vida de um humano normal (em ADnD, 20d6, ou 20d8), com direito a um teste de resistência para diminuir o dano pela metade, em um raio de cinqüenta metros.

Se o objetivo for consumado - ou se ele não for levado a cabo dentro do prazo de três meses -, o corpo do recipiente do feitiço será completamente consumido pela Flama e Fogo interiores, provocando a sua morte irreversível. Nenhuma espécie de magia ou feitiço inferiores à intervenção divina pode evitar tal destino.

Novamente, existem duas formas essenciais de aplicar o feitiço ao jogo, semelhantes às apresentadas no artigo anterior: os personagens procurando utilizar esse feitiço em si próprios; ou  o emprego do feitiço por algum dos inimigos dos aventureiros contra eles. Essas duas opções, porém, não são tão impactantes como no caso da Flama e Fogo original. No primeiro caso, porquê os personagens dificilmente desejariam se sacrificar apenas para a consecução de um objetivo, e por uma quantidade relativamente pequena de dano provocado. No segundo caso, porquê um vilão realmente poderoso dificilmente se submeteria a esse feitiço, pelos mesmos motivos elencados para os personagens.

Surgem, então, duas outras situações mais interessantes para a utilização desse feitiço. Se um vilão poderoso dificilmente se submeteria a tal expediente, nada impede que um de seus acólitos, ou um inimigo mais fraco do quê os aventureiros, tente se sacrificar para ferir gravemente ao grupo, e, talvez, matar os personagens. Um orc sobrevivente de uma tribo chacinada pelos personagens, apesar de incapaz de derrotá-los sozinho, poderia muito bem procurar por um xamã que lhe enfeitiçasse - ele aguardaria até que os aventureiros estivessem feridos por uma batalha difícil, ou que estivessem no meio de uma refrega complicada, para atacá-los - certo que, com seu sacrifício, daria fim aos malditos guerreiros que destruíram seu povo.

Seria igualmente divertido, por outro lado, ver situações nas quais uma Sociedade Secreta que se opõe aos aventureiros, ou o exército de um Barão tirano que os personagens estão tentando derrotar, empregassem ostensivamente a Flama e Fogo Menor em combate. Talvez um soldado explodindo no meio do campo de batalha seja suportável para o grupo - mas dez soldados prontos para virar bolas de fogo já se tornam uma ameaça mortal. Nesse circunstância, os personagens teriam que encontrar formas de derrotar os inimigos sem os matar, ou ao menos, se veriam obrigados a fugir da peleja.

Também é possível imaginar situações nas quais, assim como Yaggha-Lor, os personagens utilizem a Flama e Fogo Menor em seus próprios soldados. O problema de tal uso da magia, porém, seria o de que os guerreiros esperariam, com certeza, que seus líderes também se submetessem ao sacrifício pela vitória - ato que, apenas nas circunstâncias mais extremas, seria realmente levado a cabo pelos jogadores.

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